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Quando entro nas catedrais,
Onde espero encontrar paz,
Vejo um Cristo pendurado,
Numa cruz toda de ouro,
Que pereniza o desdouro
De um erro que está gravado.
Mas eu busco um de verdade,
Não que me inspire piedade
Traído e preso ao madeiro;
Quero um Cristo que oriente
E que minha alma apascente
Por me servir de luzeiro.
Meu Cristo é o Cristo Divino,
Igual àquele menino
Que nasceu na manjedoura,
Porque aquela criança
Veio trazer a esperança
De uma fé imorredoura.
O Cristo que eu necessito
É um ser calmo e bonito
Que não conheceu fracasso.
Por isso em minha missão
Eu uso a sua lição
Para guiar os meus passos.
O Filho de Carpinteiro,
Vendido no mundo inteiro
Por religiosos venais,
Serve hoje de criado
E nos templos é usado
Em sórdidos comerciais.
Quero o Cristo caminhando,
Pelas ruas ensinando,
E não um morto pregado,
Abandonado e sozinho,
Com uma coroa de espinhos
E o peito dilacerado.
Não quero o Cristo suarento,
Exibindo sofrimento,
Imóvel, quase sem luz…
Quero vê-lo entusiasmado,
Tendo o rosto iluminado
Como era o Mestre Jesus.
Eu busco o Cristo da paz
E não o que ali jaz
Jogado como indigente;
Quero-o de sandália e manto,
Andando e enxugando o pranto
Daquele que está doente!
Meu Cristo é o Cristo de Deus,
Que ama até mesmo ateus
Pois faz de homens irmãos!
Este é o meu Cristo Jesus,
Que me orienta e conduz
Nas lutas da evolução.
Do livro “O Grande Mar” – 2002
-É de espontânea vontade?
Perguntou o sacerdote.
Ao dizer “sim” eu ganhava
Por milagre um grande dote;
Além de uma esposa, um sogro,
Sogra, cunhados, um logro!
Um expressivo pacote…
Chegaram até uns sobrinhos,
Já me chamando de tio,
E eu, olhando assustado,
Nem pude dizer um pio.
Nessa multiplicação,
Veio gente em profusão,
Que até me deu arrepio!
Só pedi a mão da moça
Para formarmos um lar,
Criar filhos, criar filhas,
Aos quais iríamos amar,
Mas eu entrei numa fria
E até uma velha tia
Veio comigo morar.
Dizem que esse problema
Se deve à reencarnação,
Que aproxima o desafeto
Pra transformá-lo em irmão.
Devo ter sido uma peste,
É conclusão inconteste,
Em face da multidão.
Se hoje estou reclamando
É porque eu não sabia
Quem um simples “sim” num altar
Tanto parente escondia;
Cheguei a pensar, na hora,
Em dar no pé, ir embora,
Fugindo pra sacristia.
Mas o que me segurou
Não foi somente o papel,
Mas porque o padre insistiu
Que eu fosse sempre fiel,
Na pobreza ou na riqueza,
Tendo o pão que está na mesa
Gosto de doce ou de fel.
É assim um lar na Terra,
Este mundo probatório,
Onde todos nos juntamos
Para que, num ajutório,
O forte socorra o fraco,
Transforme em lar um barraco,
Faça o céu do purgatório.
Por isso hoje lhes confesso
Que após refeito do susto,
Já me sinto conformado
E até aceito que é justo,
O plebeu tentar ser nobre
E o rico ajudar o pobre,
Para o fraco ser robusto.
Com um pouco de esperança,
Carinho e muita bondade,
Todos vamos conseguir
Chegar à felicidade,
Educando filho e filha
Para fazer da família
O esteio da humanidade.
Do livro “O Grande Mar” – 2002
Lições de um operário: meu pai!
O domingo amanhecia,
Já chegava um novo dia,
Quando a mãe me despertou:
-Meu filho, estou preocupada,
Passei a noite acordada
Porque seu pai não voltou.
Assustado, após ouvir,
Me apressei logo em sair
E fui até a construção.
Ao chegar, ali sentado,
Vi meu pai desanimado
De olhar fincado no chão.
Sem receber seu salário,
Porque o patrão usurário
Não pagou a semanada,
Ele estava amargurado;
Mais que isso, revoltado,
De alma despedaçada.
Aquele homem decente,
Que já fora tão doente,
Estava sendo aviltado
E eu, seu filho, seu sonho,
Sofria também, tristonho,
Por ver meu pai humilhado.
-Amanhã eu me demito,
Disse-me quase num grito,
Pois isso não é direito.
-Se teu primo é nosso amigo,
Como faz isso comigo
Que lhe dedico respeito!
Apesar da pouca idade,
E sem ter maturidade,
Falei-lhe usando critério:
-Se acalme, pai, dá-se um jeito,
O senhor é homem direito,
Deus protege quem é sério.
-Afinal, lá na gaveta
Daquela cômoda preta
O senhor tem reservado
O valor da prestação
Da bomba do seu João;
Pague alguns dias atrasado.
-Esse dinheiro não é meu,
Bravo meu pai respondeu!
-Inda que eu coma capim,
E não me faça careta,
Depois que vai pra gaveta
Já não mais pertence a mim!
Emocionei-me, sentido,
Ante o gigante ferido;
Meu olho ainda mareja!
Que lição naquele dia!…
Deus do Céu, Virgem Maria:
-Bênção, meu pai, onde esteja!
Do livro “O Grande Mar” – 2002
Houve um período em que mandavam os militares,
Neste Brasil que é liberal e tão formoso!
Há quem reclame que foi um tempo horroroso,
Muita vingança se espalhando pelos ares…
Viviam em mira de censura lojas, bares,
Porque a injustiça era algo tenebroso;
Ninguém podia se expressar a livre gozo,
Já que espiões haviam até pelos altares.
O AI-5 não deixava que a palavra
Fosse empregada cada qual tendo sua lavra,
Pois cerceou a liberdade de expressão…
Da ditadura voltou-se à democracia
E hoje, as palavras, qualquer um as pronuncia,
Mas nada valem, só nos servem de ilusão…
Do livro “O Grande Mar” – 2002
A face, a brisa me afaga,
Deixando um quê que embriaga;
Minhas rugas gostam dela!
Traz-me carinho e meiguice,
Tal como se me cingisse
Meiga e suave donzela.
É o amor da natureza,
Que na sua singeleza
Lambe-me a face, sorrindo.
E eu, feliz e disposto,
Me alegro ao sentir no rosto
O vento brando zunindo.
Este sopro, rarefeito,
Mostra um secreto respeito
Por este tipo ancião.
Beija-me os poucos cabelos,
Mas lamenta eu mais não tê-los
Para adornar a feição.
Ora fria, ora quente,
Flui a brisa… De repente,
Acanhada, vai embora…
Resta o silêncio comigo,
Saudoso do vento amigo
Que já não sopra lá fora.
Do livro “O Grande Mar” – 2002
Por mais que ela insistisse, ele ficar não quis…
Nas juras que a amava, disse: -Ainda é cedo!
Terá de ter paciência e não ficar com medo,
Em breve aqui regresso e a farei feliz!…
-Camufle entre nos dois o bonito segredo,
Pois eu a quero tanto, doce genetriz…
É a mulher ideal para ser a matriz
De um tempo a apagar do meu passado azedo.
Em pranto, ele se foi; deixou nela um vazio;
No oco e triste ventre já não pulsa o cio…
Restou-lhe só tristeza no amargor da vida…
Mas guarda inda no seio, cheia de esperança,
O leite, nutriente para essa criança,
Que disse: -Eu volto em breve, espere mãe querida!
A história de um aborto espontâneo.
Do livro “O Grande Mar” – 2002